domingo, 30 de junho de 2019

A matéria abaixo diz respeito à decisão do STJ na última quarta (26) sobre a possibilidade do período em auxílio doença contar como tempo especial para trabalhadores expostos a agentes nocivos, ainda que o benefício não seja decorrente de acidente de trabalho.

https://www.ibdp.org.br/noticia.php?n=4619

Segundo entendimento da 1ª Turma do STJ, o trabalho urbano por período superior a 120 dias por ano descaracteriza a condição de trabalhador rural, ainda que o trabalho urbano tenha ocorrido concomitantemente ao rural.

https://www.ibdp.org.br/noticia.php?n=4578

Beneficiários do BPC precisam se inscrever no Cadastro Único

O artigo a seguir informa o elevado número de beneficiários do BPC/LOAS que podem ter seu benefício bloqueado por não se inscreverem no CadÚnico até a data limite de 30 de junho. Essa é a data para quem nasceu no mês de janeiro. O registro é obrigatório desde o mês de dezembro do ano passado, quando foi publicada uma portaria do Ministério do Desenvolvimento Social determinando a inscrição.

https://m.extra.globo.com/noticias/economia/bpc-93036-pessoas-terao-beneficio-bloqueado-por-nao-entrarem-no-cadastro-unico-23771946.html

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Mudanças no INSS devem aumentar ações contra a Previdência

Especialistas apontam como consequência imediata da eventual aprovação da Reforma da Previdência o aumento de ações judiciais que versem sobre os benefícios previdenciários. Isso porque a reforma propõe maior rigor quanto à concessão desses benefícios, trazendo insatisfação para os contribuintes. Ademais, cumpre ressaltar que desde logo se discute a constitucionalidade de diversos pontos da reforma, de forma que, se aprovada, certamente será submetida ao controle de constitucionalidade.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Motoristas do Uber e aplicativos serão obrigados a pagar INSS

A notícia diz respeito a um decreto destinado aos motoristas de aplicativos para que passem a contribuir com o INSS e gozarem dos benefícios previdenciários. Tal Decreto está em consonância com o princípio da compulsoriedade da filiação ao Regime de Previdência Social.

Link: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/motorista-uber-99-inss-aplicativos/

segunda-feira, 17 de junho de 2019

DIREITO A PENSÃO POR MORTE NA POSSE DO ESTADO DE FILHO:

Resumo:
O presente artigo tem como objetivo fazer uma breve apresentação da possibilidade da concessão de pensão por morte aos filhos socioafetivos que contemplem os requisitos de  dependentes do segurado falecido. Apresenta como finalidade, ainda, explanar sobre quais princípios se baseia a possibilidade de se caracterizar o filho não biológico como legítimo para pleitear o referido benefício previdenciário.

 Introdução: 

As transformações sociais constantes exigem do Direito uma postura de atualização contínua: quanto mais abarca a realidade, mais será equânime. Nessa esteira, a família, núcleo de extrema importância nas diversas sociedades, apresenta inúmeras formas de arranjo, muito embora já tenha sido conceituada com base no matrimônio heterossexual. A Constituição Federal de 88, rompeu, entretanto, com o paradigma clássico de família, adotando um sistema aberto não discriminatório, o qual abarca outras formas para além do casamento, reconhecendo, também, a união estável e o chamado núcleo monoparental como instituições familiares. Não se esgotando nos retromencionados arranjos, tem-se que o sistema constitucional de família é inclusivo, devendo ser definida pelo afeto e, não pelo Direito.
Nesses termos, temos que o reconhecimento da filiação socioafetiva se apresenta como uma das inovações trazidas pela doutrina e jurisprudência, as quais buscando consolidar o princípio constitucional da igualdade entre os filhos, bem como garantir os seus direitos filiatórios, cunhando o termo que define as relações decorrentes de laços de convivência. A filiação socioafetiva é, portanto, uma ficção jurídica criada com a finalidade de conferir igualdade entre o filho concebido biologicamente e o filho concebido pela vivência cotidiana.
O Código Civil, por sua vez, define a filiação socioafetiva como “posse do estado de filho”, prevista no artigo 1.605, inciso II, in verbis:

Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
I- quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
II- quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.

Vê-se, portanto, que a verdadeira filiação não é vinculada apenas à descendência genética, mas sim, nas relações de afeto construídas entre os familiares. Insta sublinhar que tal conceito encontra base, principalmente, nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, bem como no princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, trazidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Tem-se, então, que a partir do momento em que é determinada a filiação pelo critério socioafetivo, serão transportados todos os efeitos advindos do instituto familiar clássico, e. g., direitos relativos à sucessão, alimentos, nome, bem como parentesco.

 Filiação Socioafetiva e o beneficio de pensão por morte:
Ante o exposto, verifica-se que os benefícios previdenciários, os quais além de todos seus atributos, colaboram para a efetiva proteção do instituto familiar, não poderiam deixar de tutelar os interesses de filhos não biológicos. Nesta senda, a pensão por morte, a qual constitui um dos mais importantes benefícios do sistema de previdência, volta-se exclusivamente para o socorro dos familiares que, em virtude do fato morte do mantenedor, encontram-se em situação de desamparo, visto que dependentes financeiramente do de cujus. Nesse sentido, deve-se proteger os direitos dos filhos socioafetivos, menores de vinte e um anos ou incapazes, permitindo-se o acesso à pensão por morte, efetivando-se o princípio da igualdade da filiação, bem como da solidariedade familiar, haja vista serem, de igual forma, dependentes do segurado. Nessa esteira, os requisitos para a concessão de pensão por morte são elencados no artigo 74 da Lei 8.213/91, ipsis literis:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) (Vide Medida Provisória nº 871, de 2019)
I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste; (Redação pela Lei nº 13.183, de 2015)
I - do óbito, quando requerida em até cento e oitenta dias após o óbito, para os filhos menores de dezesseis anos, ou em até noventa dias após o óbito, para os demais dependentes; (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º Não terá direito à pensão por morte o condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a morte do segurado. (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014)
§ 2º O cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão por morte se o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de dois anos da data do óbito do instituidor do benefício, salvo nos casos em que: (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014) (Vigência)
I - o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável; ou (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014) (Vigência)
II - o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, mediante exame médico-pericial a cargo do INSS, por doença ou acidente ocorrido após o casamento ou início da união estável e anterior ao óbito. (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014) (Vigência)
§ 1º Não terá direito à pensão por morte o condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a morte do segurado. (Incluído pela Medida Provisória nº 664, de 2014)
§ 2o Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)
§ 3º (Vide Medida Provisória nº 871, de 2019) (Vigência)
§ 4º Julgada improcedente a ação prevista no § 3º, o valor retido, corrigido pelos índices legais de reajustamento, será pago de forma proporcional aos demais dependentes, de acordo com as suas cotas e o tempo de duração de seus benefícios. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
Por todo o exposto, vê-se que é legítima a pensão por morte em favor de filho socioafetivo e, portanto, necessário se faz que sejam equiparados aos filhos biológicos, por questões de equidade, justiça e respeito aos diversos arranjos e modelos familiares existentes. 

Conclusão: 

 Diante das constantes transformações sociais, tem-se que o Direito, enquanto ciência social aplicada, necessita de se atualizar para que consiga atender às necessidades de todos, de forma justa. Assim sendo, o direito ao filho não biológico à pensão por morte, constitui-se como mais uma forma de efetivação de princípios colacionados ao corpo do texto da Carta Magna, ao passo que permite a igualdade de filiação. 

Referências: 
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.


BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991: www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8213cons.htm

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

 NERI, Renata Viana. Da posse do estado de filho: fundamento para a filiação socioafetiva. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48437&seo=1>. Acesso em: 14 jun. 2019.

 MICCHELUCCI, Alvaro. Pensão por Morte. Criança ou Adolescente sob Guarda Judicial. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50102&seo=1>. Acesso em: 16 jun. 2019.

SALOMÃO, Marcos Costa.A Filiação Socioafetiva pela Posse de Estado de Filho e a Multiparentalidade no Provimento 63 do CNJ. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomao-norma-cnj-mostra.pdf> Acesso em: 16 jun. 2019.

MARTINS, Sá Freire. O efeito da adoção na pensão por morte.Jornal Jurídico.06 de março de 2018. Disponível em: <https://www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor/o-efeito-da-adocao-na-pensao-por-morte> Acesso em 16 jun. 2019

Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Lex: Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 15 jun. 2019.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

O Conflito entre o Direito Fundamental à Saúde e a Escassez de Recursos Estatais no Fornecimento Judicial de Medicamentos


O Conflito entre o Direito Fundamental à Saúde e a Escassez de Recursos Estatais no Fornecimento Judicial de Medicamentos


RESUMO 
O presente artigo objetiva analisar, inicialmente, o conflito existente entre a escassez de recursos estatais e o direito fundamental à saúde, notadamente no contexto do fornecimento judicial de medicamentos. Serão discutidos os principais aspectos que circundam o tema, como a crescente judicialização da saúde e a cláusula da reserva do possível. Por fim, analisar-se-á o julgamento proferido no REsp 1657156, relacionando-o às discussões apresentadas.
Palavras-chaves: Direito Fundamental à Saúde; Judicialização da Saúde; Reserva do Possível; Escassez de recursos; REsp 1657156.
1. Objetivos.
Pretende-se verificar em que medida o julgamento proferido no REsp 1657156, em abril de 2018, relaciona-se com as conclusões absorvidas pelo presente estudo. Para tanto, será utilizado o método indutivo de pesquisa, com análise de estudos já realizados sobre o tema, bem como observância da referida decisão, responsável pelo estabelecimento de três requisitos objetivos para o fornecimento judicial de medicamentos.
2. Introdução
            O presente artigo objetiva analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1657156, responsável pela atribuição de requisitos imprescindíveis ao fornecimento judicial de medicamentos. Nesse diapasão, é necessário inicialmente abordar a relevância do direito à saúde, dotado de status de cláusula pétrea, o qual é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal.
            Não obstante a notoriedade do direito fundamental em apreço, faz-se mister compatibilizá-lo com a realidade de escassez de recursos dos entes públicos, de modo que a aplicação de verba em uma área, inexoravelmente, acarretará a redução de investimentos em âmbitos diversos. O tema é dotado de inquestionável relevância, tendo em vista a crescente judicialização da saúde.
            Há teóricos defensores da existência de limites fáticos à exigibilidade judicial de direitos sociais, os quais não deveriam ser ignorados pelas decisões judiciais (ALEXY; AMARAL, 2001). A referida limitação é comumente arguida em decisões judiciais por meio da “reserva do possível”, expressão definida por Robert Alexy (2001) como “aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Portanto, de acordo com o entendimento, os direitos sociais - assim como os outros direitos fundamentais - não poderiam ser encarados como se possuíssem conteúdo absoluto; devem ser delimitados pela colisão de interesses verificada no caso concreto.”
            Cumpre ressaltar que, de acordo com Canotilho (1991), a necessidade de utilização de recursos para a efetivação dos direitos sociais não os torna descartáveis. Embora possa haver discricionariedade quanto aos meios utilizados, sua efetivação é uma obrigação constitucional, sendo que, para deixar de cumpri-la, há ônus argumentativo da parte dos entes políticos. Portanto, a escassez de recursos não pode ser arguida de modo absoluto, sobrepondo-se à fundamentalidade de direitos, mas é um dos elementos que devem ser considerados.
            Nesse cenário, o julgamento do REsp 1657156, efetuado em abril de 2018 pelo Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu requisitos objetivos à obtenção de medicamentos, todavia, sem desconsiderar a magnitude inerente ao direito fundamental à saúde. Portanto, analisar-se-á o entendimento proferido, com o fito de verificar se houve compatibilização entre o direito em tela e a racionalidade que se impõe em decorrência da escassez dos recursos.

3. O Direito Fundamental à Saúde e a Ascendente Judicialização da Saúde
3.1 Breve Análise Histórica
            Apenas entre 1870 e 1930 o Estado passou a intervir de modo mais enérgico no campo da saúde, através do modelo “campanhista”. À época, havia utilização recorrente de autoridade e força policial e, apesar dos abusos, o período foi caracterizado por relevantes êxitos no controle de doenças epidêmicas. Contudo, não havia ações públicas curativas, as quais eram restritas aos serviços privados e à caridade.
            A partir da década de 30, houve estruturação básica do Sistema de Saúde, que passou a abranger ações curativas. Foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública, bem como os Institutos de Previdência, que ofereciam serviços de saúde de caráter curativo. Contudo, não obstante os avanços efetuados, a saúde pública não era universalizada em sua dimensão curativa, abarcando tão somente os trabalhadores que contribuíam para a Previdência.
Com o regime militar, os antigos Institutos de Aposentadoria e Pensão foram unificados, dando início ao Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). Houve criação, ainda, do Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social. Todo trabalhador urbano com carteira assinada era contribuinte e, portanto, beneficiário do novo sistema. Contudo, grande parte da população permanecia excluída do acesso à saúde pública.

3.2 O Contexto Após a Constituição de 1988 e a Judicialização da Saúde
            A Carta Magna de 1988, para além do advento de disposições legislativas de suma importância, atribuiu progressivamente às normas constitucionais força normativa e efetividade, de modo que estas passaram a gozar de aplicabilidade direta e imediata - por intermédio do judiciário.
No contexto da redemocratização, a Assembleia Constituinte foi responsável pela criação do Sistema Único de Saúde, que foi estendido a todos os brasileiros. Ao Direito Fundamental à Saúde foi atribuído status de cláusula pétrea, estando este disposto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
            O novo texto constitucional, portanto, concedeu ao direito à saúde a importância que lhe é inerente, considerando sua relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana e com o direito à vida. No direito em apreço, evidentemente, há inserção da efetivação do acesso a medicamentos imprescindíveis à manutenção da vida - ou da vida com qualidade - o que acarreta a crescente busca dos referidos fármacos pela via administrativa e, em caso de insucesso, no âmbito judicial.
Em consonância com a tendência exposta, os trabalhos empíricos apontam que a demanda judicial mais recorrente no contexto brasileiro é a dos pedidos - individuais e coletivos - de medicamentos. Os pedidos decorrem, de modo geral, de deficiências na prestação estatal de saúde pública e, via de regra, a resposta judicial determina o cumprimento do fornecimento pleiteado, ainda que este não esteja incluído nos protocolos ou listas de medicamentos fornecidos pelo sistema público.
            Os estudos mostram que, de fato, há um descompasso entre a oferta e as demandas diretamente relacionadas ao direito à saúde, bem como atraso na incorporação de novas tecnologias. Soma-se a isso o fato de a nova ordem constitucional estimular a atuação do indivíduo como sujeito ativo de direitos, e não mero alvo de políticas estatais. O resultado, inexoravelmente, é a ascensão exponencial da judicialização da saúde.
            Uma pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou crescimento de aproximadamente 130% nas demandas de primeira instância entre 2008 e 2017. Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, seria mais adequado não haver intervenção judicial nesses casos. Quando ela for necessária, deverá ser feita de modo racional, visto que o magistrado não pode administrar o orçamento da saúde.

4. A Escassez de Recursos Estatais e a Reserva do Possível
            Cumpre reiterar, inicialmente, que o tema discutido envolve princípios e direitos fundamentais, quais sejam, a dignidade da pessoa humana, a saúde e, em última instância, a própria vida. Sendo cláusulas gerais, pode-se dizer que comportam realização por meio de diferentes atos de concretização. A partir disso, Luís Roberto Barroso (2007) defende que “onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.”
            Partindo dessa primeira visão, há diversas objeções possíveis ao ativismo judicial no âmbito da saúde - notadamente no tocante ao fornecimento de medicamentos. No presente artigo, todavia, pretende-se analisar a crítica referente às viabilidades orçamentárias, comumente invocada como “reserva do possível” em decisões judiciais. De acordo com o entendimento, os recursos públicos disponíveis seriam insuficientes para atender a todas as necessidades sociais, o que impõe ao Estado escolhas complexas, visto que investir recursos em determinado setor implica, necessariamente, na obstrução de outras áreas.
Objeção comum e pertinente é a de que as decisões judiciais que versam sobre a matéria acarretam a desordem da Administração Pública. A título de exemplo, são comuns programas nos quais os pacientes recebem, para além de medicamentos, atendimento médico, social e psicológico. Todavia, havendo decisão judicial determinando o fornecimento imediato de drogas, o ente público acaba por retirar o fármaco do referido programa, o qual atenderia a demanda regular de um paciente, a fim de entregá-lo ao litigante individual que obteve a decisão favorável - com vistas a evitar eventuais multas. Portanto, as decisões poderiam atender às necessidades do requerente, mas potencialmente impediriam a otimização das prestações estatais já existentes.
            Partindo de uma análise econômica do direito, em tese, o benefício adquirido pela população com a distribuição de medicamentos seria significativamente inferior do que aquele que seria obtido caso os mesmos recursos fossem investidos em outras áreas, tais como as políticas de saneamento básico e de construção de redes de água potável. De acordo com essa visão, portanto, a jurisprudência brasileira estaria apoiada sobre uma abordagem individualista dos problemas, enquanto uma gestão eficiente dos escassos recursos públicos deve ser concebida como política social, sempre orientada pela avaliação de custos e benefícios.
            O juiz, portanto, tende a ser um ator social que observa apenas os casos concretos, a micro-justiça, e não a macro-justiça, gerenciada pela Administração Pública. Nesse sentido, Barroso (2007) sugere determinados parâmetros com o fim de racionalizar e uniformizar a concessão judicial de medicamentos. Em ações individuais, a atuação jurisdicional deveria dispensar tão somente fármacos incluídos nas listas elaboradas pelos entes federativos. Em relação às ações coletivas, poderia haver discussão acerca da alteração das listas, o que produziria efeitos erga omnes e permitiria o planejamento estatal. Todavia, a discussão deveria limitar-se a medicamentos de eficácia comprovada, preferencialmente disponíveis no Brasil e com o menor custo. Ademais, deverá ser considerado se o fármaco é, efetivamente, indispensável à manutenção da vida.

5. Análise Crítica do Julgamento do REsp 1657156/RJ
            Tendo em vista a inafastável escassez dos recursos estatais - a qual deve ser compatibilizada com a fundamentalidade do direito à saúde - será realizada análise do Julgamento Proferido pelo STJ no REsp 1657156/RJ, em sede de demandas repetitivas, em 25/04/2018, cujo Relator foi o Ministro Benedito Gonçalves.
            O julgado estabeleceu critérios objetivos ao fornecimento judicial de medicamentos não incluídos nas listas de fornecimento do SUS. Os três requisitos elaborados seriam: a comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado - expedido por médico que assiste o paciente - da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS. Além disso, passou a ser necessário comprovar a incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito e, por fim, a existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Caso os requisitos sejam satisfatoriamente comprovados, o fornecimento seria obrigação do poder público.
            Percebe-se, por meio das condições estabelecidas, que houve atribuição de maior racionalidade às demandas envolvendo fornecimento de medicamentos, contemplando a necessidade de enfrentar a restrição orçamentária dos entes públicos. Contudo, tais avanços foram realizados sem desconsiderar a imprescindibilidade de garantir o direito à saúde àqueles que, após análise objetiva e racional, comprovarem fazer jus ao direito e à sua efetivação.
            Ao estabelecer a necessidade de comprovação da imprescindibilidade do fármaco, bem como da ineficácia das alternativas fornecidas pelo SUS, o judiciário contempla a competência da Administração Pública e seu planejamento, privilegiando os tratamentos incluídos nas listas de fornecimento. Portanto, ao requerer um medicamento, a parte precisará comprovar que seu direito realmente não pode ser efetivado dentro dos parâmetros previamente estabelecidos pela rede pública.
A necessidade de comprovação da incapacidade financeira possui potencial para evitar dispêndio desnecessário de verbas públicas. Isso porque, ainda que o SUS seja universal, deve-se considerar que o fornecimento de medicamentos não previstos é excepcionalidade que deve ser permitida apenas nos casos em que, sem aquela determinada prestação, a parte terá seu direito à saúde, à vida e à dignidade efetivamente negados. Do contrário, pode-se estar negando tratamento a indivíduos que, de fato, necessitam da atuação positiva do Estado para privilegiar aqueles que possuem condições de fazê-lo. Todavia, tendo em vista a oscilação dos custos dos tratamentos, seria inviável estabelecer parâmetros prévios. O mais justo é que a análise seja feita de acordo com o caso concreto.
            Outrossim, a necessidade de registro na ANVISA impedirá a imposição de gastos arbitrários aos entes públicos com medicamentos que, por vezes, sequer possuem eficácia comprovada e não trarão benefícios efetivos. Desse modo, a parte deve privilegiar as alternativas fornecidas pelo sistema público e, não sendo viável fazê-lo, poderá pleitear apenas medicamentos cuja confiabilidade já foi atestada.
            Portanto, se a lista de fornecimento da rede pública for comprovadamente insuficiente para o caso concreto, e caso o medicamento seja, de fato, necessário, confiável - e não havendo outra forma de obtenção além da prestação estatal - faz-se imperativo o fornecimento pelo Poder Público, sob pena de negar vigência ao direito fundamental à saúde com base em argumentos excessivamente racionais e utilitaristas.

6. Considerações Finais
            Ante o exposto, conclui-se que é necessário considerar a limitação dos recursos estatais - materializada jurisprudencialmente na cláusula da reserva do possível - no contexto do fornecimento judicial de medicamentos. Nesse sentido, a decisão proferida no julgamento do REsp 1657156 está em consonância com a análise feita no presente estudo, visto que atribuiu maior racionalidade à análise das demandas. Todavia, apesar das restrições estabelecidas, não negou vigência ao direito à saúde - tampouco retirou sua importância - mas tão somente estabeleceu uma aplicação mais racional e compatível com a realidade orçamentária. Portanto, ainda que os requisitos objetivos sejam de suma importância, a cláusula da reserva do possível jamais poderá ser aplicada de modo absoluto, sob pena de ferir os direitos à saúde, à vida e à dignidade humana com base em argumentos excessivamente utilitaristas.

REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 498.
BAPTISTA, T.W.F.; MACHADO, C.V.; LIMA, L.D. Responsabilidade do Estado e direito à saúde no Brasil: um balanço da atuação dos Poderes. Ciência & Saúde Coletiva: [s.n.], 2009, p. 829-839. 
BARROSO, L. R. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Rio de Janeiro: [s.n.], 2007.
CANOTILHO, J. J. G. Tomemos a sério os direitos econômicos, sociais e culturais. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, n. especial, estudos em homenagem a A. Ferrer-Correia, n. 3, 1991, p. 461-500.
CRUZ, Fernanda. Judicialização da Saúde Cresce 130% no país, mostra estudo. São Paulo: Agência Brasil, 2019.
GUERRA, I. S. Judicialização da Saúde: A Incursão do Judiciário na Administração, seus desdobramentos e possíveis medidas de contenção. Uberlândia: [s.n.], 2017.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 30-36.
SARLET, I. W.; FIGUEIREDO, M. F. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, L. B. Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
VENTURA, M. et. al. Judicialização da Saúde, Acesso à Justiça e a Efetividade do Direito à Saúde. Rio de Janeiro: Revista de Saúde Coletiva, 2010.
WEI, D. L. W. Escassez dos Recursos, Custos dos Direitos e Reserva do Possível na Jurisprudência do STF. São Paulo: Revista Direito GV, 2008.

Novidades da Medida Provisória n. 871/2019: salário-maternidade e prazo de decadência

Introdução:
O presente artigo analisa a nova regra sobre o prazo de decadência criado para o requerimento de concessão do benefício previdenciário de salário-maternidade, uma das mudanças realizadas pela Medida Provisória n. 871/2019 sobre a Lei nº 8.213/91

No dia 18 de janeiro de 2019 foi publicada a Medida Provisória nº 871/2019, que entrou em vigor na mesma data (na maior parte de suas regras) e modifica vários dispositivos das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, que tratam do custeio e dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Prosseguindo na análise da MP 871/2019, este artigo analisa as alterações sobre o benefício de salário-maternidade, especialmente na criação de um prazo de decadência para o exercício do direito.

O salário-maternidade é o benefício previdenciário pago à segurada gestante ou adotante durante o período de afastamento de suas atividades, previsto nos arts. 71/73 da Lei nº 8.213/91, e regulamentado pelos arts. 93/103 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social – RPS).
O benefício tutela, mais propriamente, uma contingência social (fato que gera uma sobrecarga econômica para a pessoa e seu núcleo familiar), considerando que a maternidade não pode ser considerada como sendo um risco social (que contém um conteúdo de prejudicialidade, de fato que impede o desempenho das atividades laborativas).
O salário-maternidade possui três requisitos: (a) qualidade de segurada; (b) fato gerador, consistente no parto, abortamento não criminoso, guarda ou adoção; (c) e carência (exigida para algumas seguradas).
A qualidade de segurada significa que a beneficiária deve, na data de ocorrência do fato gerador: (a) ser filiada ao RGPS, em qualquer uma das modalidades de segurada (empregada, empregada doméstica, contribuinte individual, trabalhadora avulsa, segurada especial ou segurada facultativa – art. 11 da Lei nº 8.213/91 e art. 9º do Decreto nº 3.048/99); (b) ou estar no período de graça (art. 15 da Lei nº 8.213/91 e art. 13 do Decreto nº 3.048/99), ainda que não esteja exercendo atividade laborativa ou recolhendo contribuições como segurada facultativa. Ainda, o benefício é devido a apenas uma segurada, sendo vedada a concessão a mais de uma pessoa em virtude do mesmo fato gerador (conforme prevê o art. 71-A, § 2º, da Lei nº 8.213/91).
Três situações podem ensejar a concessão do salário-maternidade: o parto, o abortamento (não criminoso) e a adoção (ou a guarda judicial com o objetivo de adoção).
O parto é o principal fato gerador do benefício e, levando em consideração que seu início é anterior ao parto, o requerimento administrativo deve ser instruído com atestados e exames médicos que demonstrem a condição de gestante. Havendo abortamento, e desde que não seja criminoso (comprovado por meio de atestado médico), a segurada tem direito ao salário-maternidade correspondente a duas semanas (art. 93, § 5º, do Decreto nº 3.048/99). O salário-maternidade é igualmente devido à segurada que adotar criança, assegurando o seu afastamento e concretizando o art. 201, II, da Constituição, que protege não somente a gestante, mas, genericamente, a maternidade (biológica ou não).
O salário-maternidade é um benefício de carência híbrida, porque exige o cumprimento da carência para algumas classes de seguradas, mas a dispensa para as demais. De um lado, não há exigência de carência para as seguradas empregada, empregada doméstica e trabalhadora avulsa (art. 26, VI, da Lei nº 8.213/91, e art. 30, II, do Decreto nº 3.048/99). Logo, para a concessão do benefício, basta que tenham recolhido apenas uma contribuição, e mantenham a qualidade de segurada na data do parto ou da adoção. De outro lado, para as seguradas especial, facultativa e contribuinte individual é exigida a carência mínima de 10 contribuições (art. 25, III, da Lei nº 8.213/91, e art. 29, III, do Decreto nº 3.048/99).
A duração do benefício é de 120 dias, iniciando-se (em regra) nos 28 dias anteriores ao parto, somando-se o dia deste, e mais os 91 dias posteriores (art. 71 da Lei nº 8.213/91, e art. 93 do Decreto nº 3.048/99). Mesmo que o parto seja antecipado, assegura-se a concessão durante o período de 120 dias (art. 93, § 4º, do Decreto nº 3.048/99). Assim, por exemplo, se o parto ocorrer no 25º dia de recebimento do benefício, o salário-maternidade será pago nos 95 dias seguintes. Excepcionalmente, o prazo de repouso, antes ou depois do parto, pode ser acrescido de duas semanas, por meio de atestado médico específico (art. 93, § 3º, do Decreto nº 3.048/99). Não se confundem o prazo de 120 dias para o benefício previdenciário de salário-maternidade com o intervalo prorrogado de 6 meses para o direito trabalhista de licença-maternidade (art. 392 da CLT).
Salário-maternidade e prazo de decadência
A Medida Provisória nº 871/2019 inseriu o art. 71-D na Lei nº 8.213/91, com a seguinte redação:
“Art. 71-D. O direito ao salário-maternidade decairá se não for requerido em até cento e oitenta dias da ocorrência do parto ou da adoção, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”.
Conclusão:
 Portanto, passa a haver um prazo específico de decadência para este benefício, razão pela qual a segurada deve requerer a concessão do salário-maternidade no prazo máximo de 180 dias, sob pena de perda do direito.
Contudo, não se pode confundir. este prazo inicial para o pedido administrativo de concessão do benefício previdenciário, que é contado a partir da ocorrência do fato gerador (parto ou adoção), com o prazo decadencial de 10 anos previsto no art. 103 da Lei nº 8.213/91 para a revisão do ato administrativo (de concessão, indeferimento, modificação, cancelamento ou cessação do benefício) praticado pelo INSS.
Ademais, a nova regra legal contraria o precedente elaborado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 313 de sua Repercussão Geral:
“I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário;
II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1º de agosto de 1997”.
O STF declarou a existência de um direito fundamental à Previdência Social, que não pode ter o seu exercício impedido pelo decurso do tempo. Em conseqüência, não pode haver a fixação de prazo decadencial como forma de impedir o segurado (ou o seu dependente) de pleitear a concessão de um benefício da Previdência Social.
Logo, a nova regra do art. art. 71-D da Lei nº 8.213/91 deverá gerar controvérsia nos processos judiciais, por contrariar o precedente do STF, que, de acordo com o art. 927, III, do Código de Processo Civil, tem eficácia vinculante.

BREVE ANÁLISE SOBRE A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE ACIDENTES DE TRABALHO, AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ


Letícia Andrade de Oliveira Souza[i]




INTRODUÇÃO:

  Uma das principais e mais marcantes características do Direito do Trabalho é a disparidade de poder e de forças existentes entre seus sujeitos. De um lado o empregador, que de acordo com o caput do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é “a empresa, individual ou coletiva, que assumindo da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. De outro o empregado, aquele que efetivamente presta seus serviços, conceituado no artigo 3º da CLT como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Considerado a parte hipossuficiente da relação laboral, o empregado possui sua vida e integridade exaustivamente protegidas por toda a legislação trabalhista. Diante do exposto, o presente artigo tem o intuito de analisar a relação existente entre os acidentes de trabalho, a incapacidade do segurado e os benefícios previdenciários do auxílio-acidente e da aposentadoria por invalidez.

ACIDENTE DE TRABALHO:

 A Constituição Federal de 1988, com a positivação dos direitos sociais, ao lado das regulamentações presentes na CLT e na legislação complementar sobre o tema, formam a base do ordenamento jurídico brasileiro que dispõe sobre as relações de emprego e seus desdobramentos. Tais diplomas buscam regulamentar a atividade dos empregadores e fornecer respaldo legal aos empregados, trabalhadores avulsos, empregados domésticos e segurados especiais, garantindo não só a integridade física e mental no exercício de suas atividades, como também a proteção de direitos fundamentais como a vida e a segurança nas infelizes situações de acidentes decorrentes do labor.
  Em linhas gerais, acidente de trabalho pode ser entendido como o “ocorrido durante a prestação de serviços ou no percurso de ida e volta para o trabalho [..]. Ou, ainda, a doença profissional causada pelo ambiente de trabalho”.[ii] Existem, contudo, outras definições que merecem destaque, vejamos a dada pelo Ministério da Saúde:

“Acidente do trabalho é o evento súbito ocorrido no exercício de atividade laboral, independentemente da situação empregatícia e previdenciária do trabalhador acidentado, e que acarreta dano à saúde, potencial ou imediato, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa direta ou indiretamente (concausa) a morte, ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Inclui-se ainda o acidente ocorrido em qualquer situação em que o trabalhador esteja representando os interesses da empresa ou agindo em defesa de seu patrimônio; assim como aquele ocorrido no trajeto da residência para o trabalho ou vice-versa.”

  No âmbito dos dispositivos constitucionais que visam proteger o trabalhador, abrindo o capítulo sobre os direitos sociais, o artigo 7º apresenta um rol exemplificativo de proteções relativas ao trabalho urbano e rural, de forma que nos incisos XXII e XXVIII o legislador destaca, respectivamente, os direitos a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” e ao “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. 
  Na mesma linha, a Lei 8.213/1991 dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e apresenta entre os artigos 19º e 23º diversas orientações e instruções a respeito dos acidentes de trabalho, explicando que “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”.
  É preciso explicitar, contudo, que a referida lei apresenta hipóteses equiparadas a acidente de trabalho, como é o caso da doença profissional e da doença do trabalho, bem como delimita situações, a exemplo da doença degenerativa e daquela que não produz incapacidade laborativa, que não se caracterizam como doença do trabalho.
  Com base nos conceitos expostos, acidentes de trabalho devem ser entendidos como aqueles que acontecem no exercício do trabalho, provocam lesão corporal ou perturbação funcional e, necessariamente, comprometem a capacidade para o trabalho, exterminando-a ou a reduzindo, de forma permanente ou temporária. Esclarecidos tais requisitos, é necessário destacar que ocorrido o fato gerador do acidente deverá a empresa emitir a chamada Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), sob pena de ser responsabilizada na esfera penal. A constatação técnica de que o fato gerador do acidente efetivamente caracteriza-se como acidente de trabalho se dá, conforme a IN INSS 31/2008, por meio de uma perícia médica feita pela própria autarquia, que, em caso positivo, assegurará a existência de nexo de causalidade entre o trabalho e o agravo.

AUXÍLIO-ACIDENTE:

  Em linhas gerais, o sistema de Seguridade Social é uma medida trazida pelo legislador pátrio no contexto do chamado Welfare State, quer seja medida de efetivação do Estado de bem-estar social. O sistema de Previdência Social, em especial, é o responsável por cobrir os chamados riscos sociais, e caracteriza-se por ser contributivo. Dessa forma, os cidadãos que a ele se filiarem e efetivamente contribuírem adquirirão a qualidade de segurado, obrigatório ou facultativo, podendo, assim, gozar dos benefícios da Previdência.
  No que tange aos benefícios previdenciários relacionados com a incapacidade para o trabalho podemos nos deparar, entre outros, com o auxílio-doença previdenciário, disciplinado no artigo 86 e seguintes da Lei 8.213/91. Essa espécie de benefício é concedida ao segurado que comprove, em perícia médica, estar temporariamente incapaz para o trabalho, ou seja, para as atividades habitualmente desenvolvidas, em virtude de doença ou acidente. Importante ressaltar que a incapacidade em análise deve sim ser passível de cessar, podendo o segurado, no futuro, ser reabilitado.
  Existem desdobramentos trabalhistas nessa espécie de benefício, visto que sua concessão significa que a autarquia previdenciária não reconheceu a existência de nexo de causalidade entre o trabalho desempenhado e a doença do segurado, de forma que a incapacidade temporária não deriva do trabalho desempenhado, não devendo, portanto, o empregador recolher o FGTS durante o período de afastamento. Se, por outro lado, houver o reconhecimento desse nexo, o benefício devido será o auxílio-doença acidentário, sobre o qual não teceremos maiores comentários por não ser objeto desse estudo.
Enquanto durar a incapacidade o segurado deverá receber o benefício, de forma que constituem os marcos finais para o recebimento do benefício a recuperação da capacidade, o retorno ao trabalho ou ainda o óbito do segurado.

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ:

  No tocante ao benefício da aposentadoria por invalidez, caracteriza-se como benefício concedido em virtude de incapacidade e, em linhas gerais, é devido ao segurado que estando ou não em gozo do auxílio-doença, após a avaliação da perícia médica do INSS, for considerado permanentemente incapaz de exercer qualquer atividade laborativa, não podendo ser reabilitado em nenhuma outra profissão.
  Assim, com base nos artigos 42 e seguintes da Lei 8.213/91, para que se configure a hipótese de incidência desse benefício, deve-se preencher os requisitos de possuir a qualidade de segurado, cumprir o chamado período de carência, se for o caso, e encontrar-se total e permanentemente incapaz, não só para a atividade habitualmente desenvolvida como também para qualquer outra, sem possibilidade de reabilitação.
  Referido benefício, em regra, não deve ser concedido nas situações em que o segurado já apresentava lesões ou doenças antes mesmo de começar a contribuir para o INSS. Constitui exceção a referida regra geral a piora das doenças já existentes após o início da contribuição ao INSS, piora essa que seja suficientemente capaz de tornar o segurado incapaz para o trabalho.
  Enquanto persistir a invalidez o benefício será pago, podendo o segurado ser reavaliado pelo INSS a cada dois anos. Na hipótese de o segurado aposentado por invalidez voltar a exercer atividade remunerada, de maneira voluntária, com base na redação do artigo 46 da Lei 8.213/91, ocorrerá o cancelamento da concessão do benefício de forma automática.

RELAÇÃO ENTRE ACIDENTE DE TRABALHO, AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ:

  A Teoria do Risco Social baseia-se na solidariedade, conforme ensina Sérgio Pinto Martins em seu livro Direito da Seguridade Social, de forma que “todos os membros da sociedade têm de se solidarizar na proteção de contingências sociais que possam ocorrer em relação ao trabalhador, como as decorrentes de desemprego, invalidez, velhice, morte e também as inerentes ao acidente do trabalho”. A responsabilização solidária se dá por meio do seguro social, custeado não só pelo Estado como também pela sociedade como um todo.
  Sendo o acidente de trabalho um acontecimento imprevisto, não existindo vontade do empregado em se machucar, deve o mesmo decorrer do exercício da atividade laborativa, existindo nexo entre o trabalho desenvolvido e os efeitos do acidente, de forma que tal nexo compreenda a lesão e a consequente incapacidade, que pode ser temporária ou permanente, total ou parcial. Necessário destacar que o grau da incapacidade gerada pelo sinistro é condição primordial para que se determine a espécie de benefício previdenciário devida ao segurado.
  Nessa seara tem-se o chamado auxílio-acidente, benefício devido ao segurado temporariamente incapaz para exercer seu trabalho, ou seja, incapaz para exercer as atividades habituais, de forma que, no futuro, tal incapacidade seja passível de ser cessada. Deve-se ter atenção, contudo, para os eventos que culminam na incapacidade e na consequente concessão do benefício, visto que é devido a título de indenização ao segurado que se encontre nessa situação não só por razões de acidentes de qualquer natureza –podendo ser ou não acidente de trabalho- como também em virtude de doença.
  Por sua vez, no que se refere à aposentadoria por invalidez, cumprido o período de carência, se for o caso, é devida ao segurado considerado permanentemente incapaz para o trabalho, de forma que a incapacidade seja tanta, a ponto de o segurado não mais conseguir ser reabilitado para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência. Assim, diante do exposto, vê-se que tal benefício não é devido somente nos casos decorrentes de acidente de trabalho, mas deriva de situações que culminem em incapacidade permanente.

CONCLUSÃO:

  O presente artigo teve o intuito de elucidar questões relativas às consequências dos acidentes de trabalho, em especial em relação a incapacidade proveniente do sinistro, com foco no tocante aos benefícios previdenciários do auxílio acidente e da aposentadoria por invalidez.
  Acidentes de trabalho não são a única hipótese em que tais benefícios serão devidos, de forma que o legislador não especificou o tipo de acidente, abrangendo, assim, acidentes de qualquer natureza. Dessa forma, acidentes de trabalho podem ou não ser a causa da concessão de benefícios previdenciários. Além do referida espécie de acidente, entre outros exemplos, existem doenças que também são capazes de culminar em incapacidade passível de ser contemplada com benefícios previdenciários.
  O benefício pago em virtude do acidente de trabalho, por sua vez, é devido em decorrência da incapacidade do segurado e não da lesão propriamente dita ou ainda de danos estéticos. Nesse sentido, existem decisões no sentido de entender que “a legislação acidentária ampara lesões que impliquem redução da capacidade funcional do trabalhador e não lesões estéticas, que deverão ser postuladas com base na legislação civil”.[iii] 
  Sendo a incapacidade temporária, preenchidos todos os requisitos para tanto, o benefício devido é o auxílio-acidente. Por outro lado, diante da incapacidade permanente, sem possibilidade de reabilitação, igualmente preenchidos todos os requisitos legais, está-se diante da aposentadoria por invalidez. A cumulação desses benefícios, conforme os mandamentos do artigo 86 §2º da Lei 8.213/91, não é permitida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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[i] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais

[ii] SALEM, Diná A. R.; SALEM, Luciano R. Acidentes do Trabalho. 2. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 31

[iii] Ac. Da 7º C do 2º TAC SP, Ac. 487.135-00/3, Rel. Juiz Américo Angélico, j 8-7-1997, DJ SP II, 28-7-1997, p.7